Educação Física para cegos - algumas considerações
Por Fábio Ramirez
A Educação Física escolar para cegos não se diferencia em nada, no quesito conteúdos, da Educação Física escolar para pessoas que enxergam normalmente. No entanto, utiliza-se de métodos e técnicas adaptadas para melhor assimilação do conteúdo, tendo em vista as limitações impostas pela cegueira.
A atividade física regular e planejada pode ajudar a desenvolver a autonomia da pessoa com deficiência visual, facilitando a independência nas atividades de vida diária, tendo como consequência direta a melhora na qualidade de vida. Além de potencializar a saúde prevenindo possíveis doenças ligadas ao sedentarismo.
O humano é um ser social que necessita da interação com o meio ambiente que o cerca. Essa interação se dá através de mecanismos sensório-motores, cujo principal é a visão.
A orientação espacial e o equilíbrio postural (ficar em pé, andar) são processados no sistema nervoso central através de aferências somatossensoriais. A visão é o sentido mais utilizado para processar as informações que nos cercam, porém, é sempre auxiliado pelos sentidos de audição, tato e secundariamente olfato e paladar, quando referente a ações psicomotoras.
Os sentidos agem de forma combinada e em equilíbrio. O mau funcionamento de um dos componentes desse sistema, no caso a visão, causa um desiquilíbrio e consequente dificuldade somatossensorial na orientação espacial. Esse problema, muitas vezes, acaba sendo amenizado com a protagonização maior de um dos outros sentidos sensoriais, geralmente a audição e o tato, quando se trata de cegos.
A capacidade orientativa do cego varia de pessoa para pessoa, de acordo com suas experiências e estímulos vivenciados previamente.
O professor de Educação Física deve, antes de tudo, ter um quadro geral das limitações e PRINCIPALMENTE DAS POSSIBILIDADES psicomotoras do aluno, através de processo avaliativo. A partir de então, terá as informações básicas para fundamentar atividades físicas que serão proporcionadas ao aluno com o objetivo de ajudá-lo no desenvolvimento orientativo, de acordo com sua necessidade.
Um aspecto geral é o necessário desenvolvimento muscular dos membros superiores, posteriores e músculos posturais. Esses são fatores importantes para a uma locomoção mais leve e prazerosa e manutenção da postura ereta - o cego tende a curvar a coluna como consequência da cegueira (não olha para o horizonte), o que pode acentuar quadro de escoliose.
Não se trata de exercícios puramente mecânicos, como a musculação tradicional. Mas sim a prática de atividades que trabalhem os músculos citados, como esportes e danças, sempre com caráter didático e quando possível lúdico, pois estamos falando de Educação Física escolar.
Assim como deveria ser em qualquer aula de Educação Física, as aulas com alunos cegos devem possibilitar ao discente a maior variedade possível de experiências motoras e sensoriais, a fim de aumentar o repertório sensório-motor do aluno.
Como fazer? Desenvolvendo atividades em espaços e com instrumentos distintos, como em situações de silêncio e barulho; areia, piso molhado, grama e concreto; com objetos de variados tamanhos, peso e textura.
Se o conteúdo da aula é um determinado esporte, como o futebol, ele deverá ser vivenciado com um leque de formas diferentes. Alterando e criando novas regras ou modificando a estrutura do jogo. Atenta-se aqui para o envolvimento do aluno na construção de como será esse futebol “modificado”.
Não basta fazer o movimento da dança ou da ginástica. É preciso levar o aluno a entender o porquê ele está executando o movimento daquele modo, experimentar outras formas (a partir do estímulo do professor e criação do próprio aluno) e refletir sobre quais das possibilidades foi mais correta ou mais prazerosa no alcance do objetivo.
É fundamental que o aluno cego entenda seu esquema corporal. Esse fundamento será de extrema utilidade nas atividades de vida diária. Perceber como se dá sua passada, o tamanho, ritmo e a medida. Diversos conteúdos podem trabalhar esse atributo (lateralidade, coordenação motora), como exercícios do atletismo, ginástica, dança e esporte, sempre de forma adaptada.
A utilização da bengala (principal recurso utilizado pelo cego como apoio para se situar espacialmente durante a locomoção - extensão do corpo) também pode ser maximizado trabalhando atividades de percepção tátil-cinestésica. Desenvolvendo as técnicas de varredura, rastreamento, detecção de objetos, passagem por portas, subir e descer escadas, deslize e memorização de mapas espaciais.
Uma das consequências frequentes da cegueira é recuo nas relações sociais. Esse fato reforça a necessidade de que em todas as atividades escolares estejam integrados o trabalho de afetividade, companheirismo e solidariedade. O professor deve levar o aluno a refletir sobre a importância do convívio social, sobre a política, o capitalismo e a ideologia da classe dominante que tenta estabelecer que “somente os fortes sobrevivem e os demais serão sempre excluídos”, como se fosse natural.
Importante discutir durante as aulas por que o capitalismo nega o direito de acessibilidade, de transporte, saúde, educação e emprego para todos. Essas questões estão ligadas à Educação Física, afinal, o corpo e a cultura em movimento é biológico, cognitivo e cultural e político.
Porém, são duas realidades e desafios. Uma é a Educação Física exclusivamente para cegos, outra é a Educação Física numa turma com cegos e alunos que enxergam. A escola esportivizada, que têm como parâmetro os padrões de movimento impostos pelo esporte de rendimento, pressiona a todo instante para a exclusão dos “menos técnicos”. Nessa escola o cego não tem vez.
Não se trata de excluir o esporte ou de rebaixar o nível técnico da aula. Pelo contrário, o professor deve ter a arte de, primeiro convencer os alunos que esporte de alto-rendimento não pode ter lugar na escola, segundo utilizar o mesmo esporte de modo que os discentes reconstruam sua prática, recriando regras e formas para que todos vivenciem as experiências motoras e sociais objetivadas na aula. É claro que é difícil, mas é o nosso desafio.
Algumas atenções
- Falar sempre com voz firme, de preferência com o rosto próximo ao do aluno no momento das instruções;
- Nas instruções atentar-se para dar o máximo possível de descrição do local e detalhar a atividade;
- Ajudar/estimular o reconhecimento de sons e cheiros;
- Utilizar sempre palavras objetivas e de fácil entendimento.
Dificuldade encontradas
- Dificuldades em trabalhar em ambientes diversificados;
- Falta de recursos técnicos (o professor deve providenciar);
- Aulas esportivizadas com modelos voltados para a competição e padrão de rendimento. Possível “rebaixamento” do nível técnico da aula quando se trata de uma turma inclusiva.
Educação Física para cegos |
A atividade física regular e planejada pode ajudar a desenvolver a autonomia da pessoa com deficiência visual, facilitando a independência nas atividades de vida diária, tendo como consequência direta a melhora na qualidade de vida. Além de potencializar a saúde prevenindo possíveis doenças ligadas ao sedentarismo.
O humano é um ser social que necessita da interação com o meio ambiente que o cerca. Essa interação se dá através de mecanismos sensório-motores, cujo principal é a visão.
A orientação espacial e o equilíbrio postural (ficar em pé, andar) são processados no sistema nervoso central através de aferências somatossensoriais. A visão é o sentido mais utilizado para processar as informações que nos cercam, porém, é sempre auxiliado pelos sentidos de audição, tato e secundariamente olfato e paladar, quando referente a ações psicomotoras.
Os sentidos agem de forma combinada e em equilíbrio. O mau funcionamento de um dos componentes desse sistema, no caso a visão, causa um desiquilíbrio e consequente dificuldade somatossensorial na orientação espacial. Esse problema, muitas vezes, acaba sendo amenizado com a protagonização maior de um dos outros sentidos sensoriais, geralmente a audição e o tato, quando se trata de cegos.
A capacidade orientativa do cego varia de pessoa para pessoa, de acordo com suas experiências e estímulos vivenciados previamente.
O professor de Educação Física deve, antes de tudo, ter um quadro geral das limitações e PRINCIPALMENTE DAS POSSIBILIDADES psicomotoras do aluno, através de processo avaliativo. A partir de então, terá as informações básicas para fundamentar atividades físicas que serão proporcionadas ao aluno com o objetivo de ajudá-lo no desenvolvimento orientativo, de acordo com sua necessidade.
Um aspecto geral é o necessário desenvolvimento muscular dos membros superiores, posteriores e músculos posturais. Esses são fatores importantes para a uma locomoção mais leve e prazerosa e manutenção da postura ereta - o cego tende a curvar a coluna como consequência da cegueira (não olha para o horizonte), o que pode acentuar quadro de escoliose.
Não se trata de exercícios puramente mecânicos, como a musculação tradicional. Mas sim a prática de atividades que trabalhem os músculos citados, como esportes e danças, sempre com caráter didático e quando possível lúdico, pois estamos falando de Educação Física escolar.
Assim como deveria ser em qualquer aula de Educação Física, as aulas com alunos cegos devem possibilitar ao discente a maior variedade possível de experiências motoras e sensoriais, a fim de aumentar o repertório sensório-motor do aluno.
Como fazer? Desenvolvendo atividades em espaços e com instrumentos distintos, como em situações de silêncio e barulho; areia, piso molhado, grama e concreto; com objetos de variados tamanhos, peso e textura.
Se o conteúdo da aula é um determinado esporte, como o futebol, ele deverá ser vivenciado com um leque de formas diferentes. Alterando e criando novas regras ou modificando a estrutura do jogo. Atenta-se aqui para o envolvimento do aluno na construção de como será esse futebol “modificado”.
Não basta fazer o movimento da dança ou da ginástica. É preciso levar o aluno a entender o porquê ele está executando o movimento daquele modo, experimentar outras formas (a partir do estímulo do professor e criação do próprio aluno) e refletir sobre quais das possibilidades foi mais correta ou mais prazerosa no alcance do objetivo.
É fundamental que o aluno cego entenda seu esquema corporal. Esse fundamento será de extrema utilidade nas atividades de vida diária. Perceber como se dá sua passada, o tamanho, ritmo e a medida. Diversos conteúdos podem trabalhar esse atributo (lateralidade, coordenação motora), como exercícios do atletismo, ginástica, dança e esporte, sempre de forma adaptada.
A utilização da bengala (principal recurso utilizado pelo cego como apoio para se situar espacialmente durante a locomoção - extensão do corpo) também pode ser maximizado trabalhando atividades de percepção tátil-cinestésica. Desenvolvendo as técnicas de varredura, rastreamento, detecção de objetos, passagem por portas, subir e descer escadas, deslize e memorização de mapas espaciais.
Uma das consequências frequentes da cegueira é recuo nas relações sociais. Esse fato reforça a necessidade de que em todas as atividades escolares estejam integrados o trabalho de afetividade, companheirismo e solidariedade. O professor deve levar o aluno a refletir sobre a importância do convívio social, sobre a política, o capitalismo e a ideologia da classe dominante que tenta estabelecer que “somente os fortes sobrevivem e os demais serão sempre excluídos”, como se fosse natural.
Importante discutir durante as aulas por que o capitalismo nega o direito de acessibilidade, de transporte, saúde, educação e emprego para todos. Essas questões estão ligadas à Educação Física, afinal, o corpo e a cultura em movimento é biológico, cognitivo e cultural e político.
Porém, são duas realidades e desafios. Uma é a Educação Física exclusivamente para cegos, outra é a Educação Física numa turma com cegos e alunos que enxergam. A escola esportivizada, que têm como parâmetro os padrões de movimento impostos pelo esporte de rendimento, pressiona a todo instante para a exclusão dos “menos técnicos”. Nessa escola o cego não tem vez.
Não se trata de excluir o esporte ou de rebaixar o nível técnico da aula. Pelo contrário, o professor deve ter a arte de, primeiro convencer os alunos que esporte de alto-rendimento não pode ter lugar na escola, segundo utilizar o mesmo esporte de modo que os discentes reconstruam sua prática, recriando regras e formas para que todos vivenciem as experiências motoras e sociais objetivadas na aula. É claro que é difícil, mas é o nosso desafio.
Algumas atenções
- Falar sempre com voz firme, de preferência com o rosto próximo ao do aluno no momento das instruções;
- Nas instruções atentar-se para dar o máximo possível de descrição do local e detalhar a atividade;
- Ajudar/estimular o reconhecimento de sons e cheiros;
- Utilizar sempre palavras objetivas e de fácil entendimento.
Dificuldade encontradas
- Dificuldades em trabalhar em ambientes diversificados;
- Falta de recursos técnicos (o professor deve providenciar);
- Aulas esportivizadas com modelos voltados para a competição e padrão de rendimento. Possível “rebaixamento” do nível técnico da aula quando se trata de uma turma inclusiva.
Fábio Ramirez, 1º de fevereiro de 2013
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